Manipulação Linguística

É bastante interessante nos questionarmos sobre o quanto dependemos da linguagem para que consigamos interpretar o mundo em que vivemos. Mais do que uma medida social, essa ferramenta que possibilita a troca de informações entre indivíduos cria raízes profundas no nosso modo de ver e avaliar nossas experiências. Através de linguagens diferentes, como idiomas, notações matemáticas, composições musicais ou qualquer outro tipo, somos diariamente moldados e levados a ver a realidade de maneira arbitrariamente parcial. Quão a fundo será que somos manipulados pela limitação linguística, e até onde podemos nos libertar dessas rédeas?

Relativismo linguístico

Para que possamos compreender a manipulação linguística e suas implicações, vamos entender o conceito de relativismo linguístico.

O relativismo linguístico pode ser definido como a diferenciação de percepção intrínseca à linguagem, que traz resultados diferentes tentando descrever um mesmo objeto observado. Exemplificando, podemos trazer uma situação classicamente retratada ao explicar o conceito: a diversificação linguística na descrição de idiomas.

Cada idioma criado pela humanidade foi desenvolvido dentro de um contexto, com suas especificidades cumprindo com aquilo que era necessário a ser comunicado. Isso significa, por exemplo, que em uma linguagem nórdica, na época medieval, não há e nem faria sentido haver uma palavra específica para descrever algo muito comum no Brasil, a mandioca. Vários desses “buracos” linguísticos são naturalmente ocasionados em questão da diversidade dos povos e ambientes no mundo, e as cores retratam isso de maneira não só clara, mas lúdica e poética em sua própria essência.

Na língua grega, existem dois termos diferentes para se referir ao azul, que o separam pelo que em português seria o azul claro (para eles “ghalazio”) e o azul escuro (“ble”). Por outro lado, nós estamos habituados a usar duas palavras diferentes para o vermelho. Vermelho, seria o vermelho escuro e rosa, o vermelho claro. Isso acontece em muitos outros exemplos e situações, espalhando-se por diversos idiomas. Um dos povos esquimós, os inuits, tem mais de 10 palavras para descrever o branco, uma vez que essas tonalidades são cruciais no processo de diferenciação dos tipos de neve e gelo presentes em seu ambiente.

Idiomas enquanto lentes culturais

Partindo então do ponto de vista de que há uma diferença na percepção e descrição do mundo com base em nossa linguagem, devemos tentar entender até onde se estende essa influência.

A construção de um enredo , em todo e qualquer contexto em que é apresentado, vem carregado de conceitos que estão interligados à origem cultural de uma certa linguagem. Um bom exemplo desse fenômeno, é a análise de termos relacionados à família no vocabulário chinês. Acredito que a China dê um bom contraste em relação o mundo ocidental a que estamos acostumados, além de ter em sua essência uma história milenar que em todas as suas etapas valoriza muito a família e os familiares.

Pintura chinesa criada entre os Séculos XVI e XVII, retratando núcleo feminino de uma família na época.

No idioma chinês, a palavra nação significa “filhos da nação”, Estado é “a família do Estado”, todo mundo é “uma grande família” e assim por diante. Essas construções, no entanto, não partem do nada, mas têm suas raízes evidenciadas em toda a construção da sociedade chinesa. A família chinesa se estendem muito mais do que a ocidental, englobando primos, tios, avós e muitos outros parentes como parte integral do núcleo familiar. Isso, além de permitir que o conceito de família se expanda em relação ao nosso, descreve com fidelidade algo que mais do que uma relação social, foi por muitos séculos o método de organização da sociedade chinesa, cada família quase que micro governada pelo seu membro mais velho, como uma Cidade-Estado grega de muito menor porte.

Outros diversos exemplos podem ser observados em construções gramaticais e conjugações que se espalham por diversos idiomas pelo mundo. Um outro exemplo interessante, é que em japonês, por exemplo, se alguém esbarra em um vaso e o quebra, diz-se que o vaso se quebrou, enquanto que no português e no inglês (entre outrao), seria mais natural dizer que alguém quebrou o vaso, o que tem suas implicações culturais.

Intepretação metafísica da manipulação linguística

Apesar de até agora só terem sido fornecidos exemplos de fenômenos sociais e de comunicação, as implicações mais interessantes e relevantes da manipulação linguística se dá em nossa maneira pessoal e individual de ver o mundo. A metafísica, conceito primordialmente introduzido por Aristóteles, compreende Aquilo que vai além do físico, abrangendo a interpretação do ser e do modo de ver o mundo de cada um. 

O que demonstra verdadeiramente a influência da linguagem na camada mais íntima de nossa compreensão do mundo? Podemos analisar a linguagem matemática. Cada notação matemática, seja ela dos operadores básicos até qualquer notação que somente os matemáticos modernos no topo da crista da inovação conhecem, é completamente arbitrária. Isso significa que poderíamos ver todas as operações, até as mais óbvias, de maneira diferente. Se a definição do que é um número nada mais é do que uma definição arbitrária e linguística carregada de todos os preconceitos linguísticos que pertencem a esse idioma gerador,  será essa definição por si exata? Absoluta? Não seria viável pensar que a matemática repensada do zero, partindo de outro ponto de partida, não teria chegado em soluções completamente diferentes? E se sim, como poderíamos nos desprender de algo tão incrustado em nossa essência para chegar nessa nova visão?

Nessa linha de raciocínio, cria-se naturalmente uma preocupação crucial, e com consequências aterradoras. Será que uma sociedade humana completamente separada da atual, com tempo suficiente para chegar no desenvolvimento tecnológico que chegamos, chegaria no mesmo ápice? Veja bem, e se alguém fosse introduzido a noções básicas de física não a partir da física clássica de Newton, mas a partir da absurdamente complexa física quântica? Será que o óbvio não seria invertido? A complexidade diluída no conhecido, no que foi construído durante toda uma vida?

Vale se questionar dessas questões, não só a fim de se desafiar na busca pelo novo conhecimento, mas levando isso como uma reflexão aplicável. Pode ser muito produtivo recomeçar do zero ao abordar problemas complexos, e é um exercício de grande desenvolvimento imaginativo tentar entender até onde poderíamos (e será que ainda podemos?) chegar se conseguíssemos desatar todas as amarras linguísticas, que apesar de todas as suas vantagens nos limita a seus confinados paradigmas, qualquer linguagem que seja.

Referências

Graduando em Engenharia de Controle e Automação | Membro do PET EEL desde 22.1

Interesses: Inteligência artificial.

diego.mmeditsch@gmail.com

LinkedIn

Diego Martins Meditsch
slotonline